sábado, 22 de novembro de 2025

Queime-se pelo que é essencial: A parábola do leão solitário

 


A esperteza do leão solitário

Um leão foi aprisionado e levado a um campo de concentração, onde, para seu espanto, encontrou outros leões que lá estavam havia anos, alguns a vida toda, uma vez que ali tinham nascido.

Logo ficou conhecendo as atividades dos leões do campo de concentração. Eles dividiam-se em grupos. Um grupo era formado pelos socializadores; outro montava espetáculos; um terceiro cuidava das atividades culturais, pois seu propósito era preservar os costumes, a tradição e a história dos tempos em que os leões eram livres. Havia grupos religiosos, que se reuniam principalmente para entoar hinos sobre uma selva do futuro, na qual não haveria grades. Alguns grupos atraíam os literários e os artísticos por natureza; outros, ainda, eram revolucionários, reuniam-se para conspirar contra seus captores ou contra outros grupos revolucionários. De vez em quando, estourava uma revolução, um grupo era exterminado por outro, ou os guardas eram todos assassinados e substituídos por novos guardas.

Enquanto procurava conhecer o lugar, o recém-chegado notou um leão que parecia sempre imerso em seus pensamentos, um solitário que não pertencia a nenhum grupo e passava a maior parte do tempo afastado de todos.

Havia algo estranho nele que atraía, ao mesmo tempo, a admiração e a hostilidade de todos. Sua presença provocava medo e insegurança. Disse ele ao recém-chegado:

– Não se junte a nenhum grupo. Esses pobres tolos ocupam-se de tudo, exceto daquilo que é essencial.

– E o que é essencial? – perguntou o recém-chegado.

– Estudar a natureza da cerca.


CASTILHO, Alzira. Como Atirar Vacas no Precipício. São Paulo: Z Edições, 2022.


domingo, 9 de novembro de 2025

O que é Contentamento? Um texto de Ruth Senter

 


Contentamento É...

 

Ruth Senter

 

Eu ouvia a voz, mas não tinha condição de enxergar a pessoa. Ela estava do outro lado do armário do vestiário. Acabara de chegar da aula de natação matinal. Sua voz assemelhava-se à própria manhã: forte, animada, cheia de vida. Às 6h 15 da manhã, atrairia a atenção de qualquer pessoa. Eu ouvi sua voz firme:

— Dolores, gostei muito do livro que você pegou para mim na semana passada. Sei que a biblioteca fica fora de seu caminho. Não consegui parar de ler. Solzhenitsyn é um grande escritor. Estou feliz por você ter-me sugerido o livro dele.

— Bom-dia, Pat — ela cumprimentou outra nadadora. Por um instante, a voz melodiosa calou-se. Em seguida, ouvi-a dizer: — Você já viu um dia tão esplêndido como este? Vi um par de cotovias enquanto caminhava esta manhã. Isso nos traz alegria de viver, não?

O tom da voz era bom demais para ser verdade. Quem pode ser tão agradecido a essa hora da manhã? A voz dela tinha um certo requinte. Talvez fosse uma mulher rica, sem nada para fazer o dia inteiro, a não ser tomar uma xícara de chá em sua varanda e ler Solzhenitsyn. Eu ficaria animada às 6 horas da manhã se pudesse nadar e ler um livro ao longo do dia. Ou se possuísse uma casa de campo nos bosques do Norte.

Contornei o armário em direção aos chuveiros e fiquei frente a frente com a dona daquela voz jovem. Ela estava arrumando seus apetrechos. O uniforme amarelo de faxineira ficava bem assentado naquela mulher de uns 50 anos. Era um uniforme que eu conhecia, acompanhado de vassouras, esfregões, panos de pó e baldes. Uma empregada do local onde eu nadava. Ela deu um leve sorriso para mim, pegou sua sacola de plástico das Lojas Americanas e caminhou apressada em direção à porta, dizendo: "Tenha um glorioso dia" a todos que encontrava.

Eu não consegui tirar da mente aquele uniforme amarelo, enquanto dava minhas braçadas e afundava o corpo na espuma da piscina de hidromassagem. Meus dois companheiros estavam entretidos em uma conversa. Pelo menos um deles estava. Sua voz cansada e triste falava de dores nos joelhos causadas por artrite, aneurisma no coração, noites sem dormir e dias repletos de mal-estar.

Nada estava bom ou na medida certa. A água estava quente demais, os jatos d'água não eram suficientemente fortes para seus joelhos endurecidos, e os médicos haviam demorado muito para diagnosticar seu caso. Com sua mão enfeitada com um anel de brilhante, ele retirou a espuma branca do rosto. Parecia um ancião, mas suspeitei que também tivesse uns 50 anos.

O uniforme amarelo e o anel de brilhante, surpreendente e silencioso contraste, provaram mais uma vez para mim que, quando Deus diz que "religiosidade. acompanhada de contentamento significa prosperidade", Ele quer dizer exatamente isso. Naquela manhã, eu vi contentamento e descontentamento. Tomei a decisão de jamais me esquecer disso.

De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.” – 1 Timóteo 6:6-10

Do livro Histórias para o Coração, de Alice Gray (org.)


quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O Compilador, uma parábola

 



E, quando estou enfadado até à morte de mim e dos homens, meu enfado de mim e meu enfado dos homens, em conluio, me conclamam: “Apruma, bípede besta! Recolhe-te à tua biblioteca e faze o trabalho de um antologista.”

Remediado ou acolhido sob um falso sentimento de filiação, às vezes cismo: “E os outros homens, para onde se recolhem?”

“Cuida tu deles? Até os livros que fazes, faze-os apenas para ti. Quanto a nós, nós cuidamos apenas de ti.”

Sammis Reachers


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Concede-me um Filho, a famosa oração do General Douglas MacArthur

 




Concede-me um Filho

 

General Douglas A. MacArthur

 

Concede-me um filho, ó Senhor, que seja forte o suficiente para entender quando está fraco, que seja corajoso o suficiente para admitir que está com medo; um filho que tenha orgulho e que não se curve diante de uma derrota honesta, e que seja humilde e cavalheiro diante da vitória.

Concede-me um filho cuja espinha dorsal não se dobre; um filho que te conheça — e que saiba que a pedra fundamental do conhecimento é conhecer a si mesmo.

Conduze-o, eu oro, não no caminho da facilidade e do conforto, mas sob a força e o aguilhão das dificuldades e desafios. Permite que ele aprenda a permanecer firme na tempestade; permite que ele aprenda a ter compaixão pelos que caem.

Concede-me um filho cujo coração seja límpido, cujos objetivos sejam altos; um filho que saiba dominar-se e não que tente dominar outros homens; um filho que aprenda a rir, mas que também nunca desaprenda a chorar; um filho que pense no futuro, sem nunca esquecer o passado.

E depois que meu filho for tudo isto, eu oro, acrescenta-lhe um pouco de senso de humor, de modo que ele possa ser sempre sério, mas que nunca se comporte de maneira muito séria. Dá-lhe humildade para que ele possa sempre lembrar-se da simplicidade da verdadeira grandeza, da mente aberta para a verdadeira sabedoria, da humildade da verdadeira força. E, depois, permite que eu, seu pai, me atreva a murmurar: "Minha vida não foi em vão."

domingo, 5 de outubro de 2025

Longa vida ao Rádio!

 


Lá se vão uns meses, mas me recordo bem. No dia 02 de março houve um baita problema nas linhas de transmissão elétrica da Enel. Resultado? Diversos bairros de Niterói e São Gonçalo sem luz.

Abri bem a janela de minha pequena sala, que recebia uma agradável brisa – benesse do outono, pois o verão só tem entregue dissabores... À luz inócua de uma pequena vela, me deitei no sofá, praticamente no escuro. Naquela pacata modorra, me lembrei de um objeto. E fiz algo que me catapultou a 30, 40 anos no passado: peguei um pequeno radinho de pilha que meu pai me havia presenteado, coloquei lá suas duas pilhas AA... E me espantei de que ainda houvessem rádios.

Que doce langor, que sensação aconchegante e melancólica ouvir a sucessão de frases e músicas naquele radinho. Já se vão duas décadas de YouTube, Deezer, e quase três de arquivos MP3. É tanto, mas tanto tempo ouvindo só o que se quer, só o programado na playlist, que de repente ouvir uma rádio, com sua seleção de músicas aleatória (nem tanto, diria o jabá), desconstrutivamente além de meu controle, minha curadoria... Foi bom. Uma cura me curou, erva antiga, ali no escurinho da sala, no sofá velho mas ainda macio.

Desde sua invenção, por Guglielmo Marconi (surfando nas invenções de outras bel’almas), ou melhor, desde sua efetivação prática, como o conhecemos, em 1922, e sua popularização a partir dos anos 1930, são diversas gerações construindo suas histórias com o rádio. Eu nasci em parte devido ao rádio: Meu pai, paranaense do interior, veio tentar a sorte no Rio com sonhos de ator e também de atuar no radialismo. Conheceu aqui minha mãe, aqui ficou e o resto é história...

Estas últimas gerações (Z, de nascidos entre 1997-2012, e Alpha, a partir de 2013 até cerca de 2025) são as primeiras em quase cem anos a não ter uma história minimamente sólida – ou nenhuma – com este meio de comunicação, primeiro a realmente unificar o Brasil. Já nasceram no Youtube, Spotify e na nuvem.

A liberdade, a libertação de poder criar sua própria playlist, suas músicas preferidas, e tocá-las na sequência em que quiser e onde quiser, com a miniaturização dos aparelhos sonoros, foi realmente revolucionária, e incontornável. Mas, passadas essas duas décadas da libertação, é preciso aceitar que o rádio não pode morrer (um parênteses, antes que você fale: não, os podcasts não substituíram os programas de rádio. Um podcast geralmente reúne gente descansada falando por TEMPO DEMAIS de coisas que caberiam num minimalismo não enjoativo. E enjoativo é um termo do qual os podcasts lutam para se libertar).

 Sua cultura, sua variedade, seu jogo de aleatoriedade/previsibilidade são salutares para o cérebro e o espírito. Depois do livro, essa salvação milenar, esse barco que nos ensinou e ensina a nadar, o rádio foi o primeiro construto em séculos a verdadeiramente debelar um bocado das chamas de solidão que costumam lamber o lombo e torrar a penugem de nossa espécie tombada.

Em dias de IA se aproximando da singularidade, de Alexa e Siri mimando os pequenos reis performáticos (você e eu, meu consagrado), escravos do breve e do boleto, é preciso proclamar: Longa vida ao rádio!

 

Sammis Reachers

 

O fluminense Sammis Reachers (Niterói, 1978) é autor de doze livros de poesia, cinco de contos/crônicas e um romance. Como editor e antologista, já organizou mais de 50 obras. É professor de Geografia e de História, além de bibliotecário.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

PHOBOMANIA: Saiu a nova listagem anual de fobias. Conheça algumas

 


Fobos, você sabe, é irmão de Deimos, deuses ou diabos gregos representantes do Medo e do Terror, respectivamente. Filhos do miliciano Ares e da messalina Afrodite, boa coisa não poderia mesmo vir dessa mistura de guerra com lascívia e impudicícia. De Fobos (Phobo, com ph, fica mais fofo, não?) derivamos muita coisa, como o tema dessa nossa crônica noticiosa, as fobias.

Talvez você não saiba, mas na pitoresca cidade de Broken Arrow, no estado norte-americano de Oklahoma, fica a sede da Sociedade para o Estudo e Catalogação das Fobias, Medos e Transtornos Correlatos (SSCPFRD, na sigla em inglês).

A obscura relativamente invisibilizada organização, com sucursais ou ao menos representantes em cidades como Paris ou a nossa Niterói, de tempos em tempos lança nas fuças e nos ares sua nova compilação de rebentos do tal Phobos, deus caído que parece milho de pipoca premium estourando pela quentura destes nossos tempos.

Nem só de seu maior sucesso, a celebrada transfobia (e sua infinita LGTBQIAFNBWELRTSV+tização) ou da cristofobia (que ela mesma insiste em não designar, mas é a campeã das fobias em certos círculos, universidades, partidos, países, continentes e sabe-se lá se em planetas), vive a organização. Convido você, leitor, leitora, leitore e leitão a dar uma olhada nas novas nomenclaturas que a .org, em seu empenho científico à frente de seu tempo e de sua cultura vem desenvolvendo, em nome da compreensão das incompreensões humanas e do tratamento paliativo de transtornos da psiquê (sim, também me assusta, mas medo ainda é uma doença). Vejamos seis dos nada menos que quarenta e seis(!) novos construtos medrais delimitados e elencados este ano pela ong ianqueana.

 

Erucofobia (do latim eruca, lagarta): Medo de passar sob árvores e uma lagarta (de fogo, água ou carbono como você e eu) cair sobre si. Os reféns da patologia se recusam a andar em áreas arborescentes, e fazem das selvas de pedra seu habitat de salvaguarda. O PCC agradece.

 

Ovifrangerofobia (do latim ovi, ovo, frangere, partir): Medo de assistir a uma das coisas mais centrais e belas da natura: Um ovo eclodindo e um animal saindo dele (seja cobra, calango, dragão ou ave).

 

Masculofobia: Este é medo antigo, pilar dos medos, sobressalto das bruxas que sobreviveram, e que só agora ganha designação oficial, depois de uma longa luta interna, que quase fez rachar aquela abaloada organização sem fins lucrativos. Trata-se do medo de ver, conversar e/ou con-viver com homens héteros autoafirmativos. Não se trata dos tais doentios “red pills” ou “hétero tops”; o termo autoafirmativo designa o simples homem hétero coitado e cotidiano (seu pai, seu irmão, seu avô, seu Antônio o pedreiro, Geremias o açougueiro, o “homem comum” cujo conjunto certamente fez o mundo em que você pisa, respira e teme), que não se envergonha de si, sua opção, ou melhor, naturalista que é, não considera opções. Uma revista de humor inglesa disse que a masculofobia é o medo de “homem de verdade”. Bem, há divergências, mas é um resumo do medo.

 

Punctumfobia: É o medo de apontar lápis (de punctum, apontar). Os especialistas perceberam que, em cidades belgas, dinamarquesas e holandesas, crianças tinham medo de apontar seus lápis, pois a visão de um lápis sendo desbastado lhes causava repulsa e desconforto, afinal o lápis está sendo mutilado naquilo ali. Na Dinamarca, país avant garde, já há funcionários nas escolas encarregados exclusivamente de apontar os lápis do mais sensíveis (não deixem Putin saber disso).

 

Nigergradatiofobia ou simplesmente gradatiofobia (sempre do latim, niger, negro, gradatio, gradação): Essa talvez seja a mais polêmica das novas designações fóbicas, ou ao menos a que tem causado mais estardalhaço na mídia norte-americana e europeia: É a fobia que uma pessoa NEGRA tem de outra pessoa NEGRA, cujo tom de pele é mais escuro que o dela.

No Brasil, país miscigenado pelo amor e pela violência, um dos gargalos entupidos do combate ao racismo é aquele praticado (em geral por crianças e adolescentes) justamente entre negros, onde as falas, sejam francas ou de “humor”, desmerecem este ou aquele negro por ser “mais preto” que aquele que fala. Qualquer rua ou sala de aula é palco para assistir, estarrecido, a este descalabro que se repete ao milhão por dia, ao arrepio da lei, da Djamila e do ex-ministro apalpador de catracas (a tara dele tem nome, mas, calma, o tema de hoje são fobias).

 

Após temas amenos e pesados, vamos terminar com outra amenidade, esta típica da geração Z. É a tarditofobia (tarditas, lentidão, morosidade).

Simplesmente o medo de que um livro não tenha a sua continuação publicada. Vivemos tempos de trilogias, tetralogias e CEOs tarados incansáveis como Ares ou Afrodite dominando a baixa literatura, mas uma raiz desse horror podemos creditar ao nosso primeiro detetive da ficção, Sherlock Holmes, cuja morte no conto O Problema Final (e o fim da “saga”), desesperou a Europa, inundou o autor Arthur Conan Doyle de cartas e o “obrigou” a reviver o personagem, que, passados mais de 130 anos de sua primeira morte, segue ad infinitum, pois centenas de autores escreveram e seguem escrevendo histórias baseadas no mestre londrino dos tirocínios. O episódio bem mais recente, da morosidade de George R. R. Martin em concluir sua saga Crônicas de Gelo e Fogo (Game of Thrones e não, neste 13/09/25 a obra ainda não foi concluída), só ajudou a universalizar a fobia, agora, se não dicionarizada, ao menos já descrita em publicação especializada. Eu falei de tema ameno? Perdão, leitore. Segundo dados da própria SSCPFRD, ao menos 28 pessoas, apenas no Norte global, alegadamente suicidaram-se devido à espera, dura para elas, de continuações de suas tramas diletas. Martin responde por nada menos que 17 dessas mortes...

 

Em tempo: Você, cagão, cagona, cagone, medroso de qualquer (im)potência pode solicitar um distintivo de representante da SSCPFRD, e passar a ser correspondente certificado da .org em sua região. As tarefas do cargo, honorário e não remunerado, vão desde coletar dados a divulgar o trabalho da .org. Mas saiba que o paspalho e proto-ditador do Trump é inimigo figadal da organização, após ela propor o termo aurantiofobia (medo de homens-“laranja”), e seu visto para os EUA pode bem ir para as cucuias. De toda forma, preencha o cadastro no site e boa sorte!

Sammis Reachers


segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Plaquete para download - 11 POEMAS de Sammis Reachers


11 POEMAS

Aqui, uma breve seleção de poemas compilados dos onze livros de poesia que já publiquei (na verdade, 12, mas um é uma antologia), ao longo de 25 anos (1999 -2025) – um poema de cada.

A seleta abarca desde o livrete São Gonçalo de Todos os Santos, publicado em 1999 (Editora Opção 2) por um pós-garoto de 20 anos, até o recente Primeiressências (2025), de publicação independente.

PARA BAIXAR PELO GOOGLE DRIVE, CLIQUE AQUI.


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